“Você tem medo de se apaixonar. Medo de sofrer o que não está acostumada. Medo de se
conhecer e esquecer outra vez. Medo de sacrificar a amizade. Medo de perder a vontade de
trabalhar, de aguardar que alguma coisa mude de repente, de alterar o trajeto para apressar
encontros. Medo se o telefone toca, se o telefone não toca. Medo da curiosidade, de ouvir o
nome dele em qualquer conversa. Medo de inventar desculpa para se ver livre do medo.
Medo de se sentir observada em excesso, de descobrir que a nudez ainda é pouca perto de
um olhar insistente. Não suportar ser olhada com esmero e devoção. Nem os anjos, nem
Deus agüentam uma reza por mais de duas horas. Medo de ser engolida como se fosse
líquido, de ser beijada como se fosse líquen, de ser tragada como se fosse leve. Você tem
medo de se apaixonar por si mesma logo agora que tinha desistido de sua vida. Medo de
enfrentar a infância, o seio que criou para aquecer as mãos quando criança, medo de ser a
última a vir para a mesa, a última a voltar da rua, a última a chorar. Você tem medo de se
apaixonar e não prever o que pode sumir, o que pode desaparecer. Medo de se roubar para
dar a ele, de ser roubada e pedir de volta. Medo de que ele seja um canalha, medo de que
seja um poeta, medo de que seja amoroso, medo de que seja um pilantra, incerta do que
realmente quer, talvez todos em um único homem, todos um pouco por dia. Medo do
imprevisível que foi planejado. Medo de que ele morda os lábios e prove o seu sangue. Você
tem medo de oferecer o lado mais fraco do corpo. O corpo mais lado da fraqueza. Medo de
que ele seja o homem certo na hora errada, a hora certa para o homem errado. Medo de se
ultrapassar e se esperar por anos, até que você antes disso e você depois disso possam se
coincidir novamente. Medo de largar o tédio, afinal você e o tédio enfim se entendiam. Medo
de que ele inspire a violência da posse, a violência do egoísmo, que não queira repartir ele
com mais ninguém, nem com seu passado. Medo de que não queira se repartir com mais
ninguém, além dele. Medo de que ele seja melhor do que suas respostas, pior do que as suas
dúvidas. Medo de que ele não seja vulgar para escorraçar mas deliciosamente rude para
chamar, que ele se vire para não dormir, que ele se acorde ao escutar sua voz. Medo de ser
sugada como se fosse pólen, soprada como se fosse brasa, recolhida como se fosse paz. Medo
de ser destruída, aniquilada, devastada e não reclamar da beleza das ruínas. Medo de ser
antecipada e ficar sem ter o que dizer. Medo de não ser interessante o suficiente para
prender sua atenção. Medo da independência dele, de sua algazarra, de sua facilidade em
fazer amigas. Medo de que ele não precise de você. Medo de ser uma brincadeira dele
quando fala sério ou que banque o sério quando faz uma brincadeira. Medo do cheiro dos
travesseiros. Medo do cheiro das roupas. Medo do cheiro nos cabelos. Medo de não respirar
sem recuar. Medo de que o medo de entrar no medo seja maior do que o medo de sair do
medo. Medo de não ser convincente na cama, persuasiva no silêncio, carente no fôlego.
Medo de que a alegria seja apreensão, de que o contentamento seja ansiedade. Medo de não
soltar as pernas das pernas dele. Medo de soltar as pernas das pernas dele. Medo de
convidá-lo a entrar, medo de deixá-lo ir. Medo da vergonha que vem junto da sinceridade.
Medo da perfeição que não interessa. Medo de machucar, ferir, agredir para não ser
machucada, ferida, agredida. Medo de estragar a felicidade por não merecê-la. Medo de não
mastigar a felicidade por respeito. Medo de passar pela felicidade sem reconhecê-la. Medo
do cansaço de parecer inteligente quando não há o que opinar. Medo de interromper o que
recém iniciou, de começar o que terminou. Medo de faltar as aulas e mentir como foram.
Medo do aniversário sem ele por perto, dos bares e das baladas sem ele por perto, do
convívio sem alguém para se mostrar. Medo de enlouquecer sozinha. Não há nada mais
triste do que enlouquecer sozinha. Você tem medo de já estar apaixonada.”
~ Fabrício Carpinejar.
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Me fascine se for capaz.