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Querido Diário,

15.7.13

“Oi, quanto tempo!”



2.1% das pessoas morrem em acidentes de transito. 2.4% de câncer. 3.1% de HIV/AIDS. 6.1% infecções respiratórias. 12.8% doenças do coração. Eu poderia continuar listando. 2.4% com tuberculose. 2.2% com diabetes. Estatísticas. Porcentagens. Números. Dores. Doenças. Pessoas. Morte. E isso é apenas o que chamamos de mortes “básicas”. Ainda há quem morra de overdose. Falência multiplica de órgãos. Depressão. E há aquelas que morrem sem serem vistos. Aqueles que convivem com uma arma apontada na cabeça. Com um dedo no gatilho. Com uma única bala como opção. BUM! Morra ou viva. Céu ou inferno. Aceitação ou rendição. Como se salva essas pessoas? Como se salva aqueles que não querem salvos? Enquanto isso a outra parte do universo resolve ser a bem sucedida. É ridículo. As pessoas enlouquecem em frente a vitrines. Batem palmas diante da televisão. Compram casas. Carros. Constelações. Casam e têm filhos. Jogam eles no lixo ou enterram perto de um lixão. Traem. Partem corações. E no dia seguinte acordem esperando serem perdoadas. Esperando compaixão. E de alguma forma o universo dá tudo isso a elas. Como se fossem os filhos prodígios; o futuro da nação. E a outra parte continua sendo ignorada. Aquele pedaço de carne nojento que você atira ao cachorro. A menina que ninguém quer levar o baile da escola. Reprovação em uma faculdade. Acidente de carro com alguém importante que você teve uma briga séria minutos antes. 2012. Ou melhor: Maio de 2012. Eu trabalhava em uma livraria. Eu fazia cursinho pela manha. Mal tinha tempo de ir ao banheiro. As coisas estavam boas. Ou estavam realmente focadas em seus papeis para parecerem boas. Um dia eu cheguei em casa tarde da noite. E meu primo que eu não via há meses veio abrir o portão. Eu disse: “Oi, quanto tempo!” com um sorriso imenso no rosto. Porque tudo estava bem. Eu estava feliz. E ele não sorriu de volta. Você nunca sabe o que vai vir depois. Você nunca sabe quando ou onde a próxima golfada de vida ira ser roubada. Mas de alguma forma insana você estava esperando por ela. Você sabia que ela estava à espreita. Minha mãe havia sido interna em um hospital psiquiátrico. Eu tive que ir visitar ela por um mês. Ela não me reconheceu como filha dela. Eu não me reconheci como pessoa. Como alguém que tem vontades de desejos. Porque tem tempos que eu passo mais da metade do meu dia esperando o pior. Porque eu tenho momentos tão únicos que eu sinto vergonha e medo de estar pertencendo a eles. E você o quão especial são as pessoas que controlam a faca pelos pulsos? Quão especiais são aqueles que não têm família? Nem amigos? Você sabe quantas armas eles têm que retirar todo o dia? Você já viu alguém assim? Dá vontade de desviar o olhar. Como se algum contato físico transmite todo o nível de insanidade que eles tentam controlar. Havia uma garota na sala de visitas na segunda semana de visitas. Ela chorava sem parar. Eu não queria chegar perto dela. Porque eu sentia que quem iria ser internara era eu. Porque dava pra sentir que ela tava esgotando todas as crenças e orações. Porque eu olhava pra ela e era como ver o meu interior. Eu não sei como eu consegui. Acho que temos algo dentro de nos que luta desesperadamente para viver. Eu só sei que eu estava abraçando ela e em dois segundos estava com a roupa ensopada de prantos e tristeza. E tudo que eu pensava naquele momento era que as coisas ruins ficassem longe dela. Que naquele momento o universo resolvesse dar a ela tudo que ele teve a audácia de renegar. O irmão dela tinha tentado se suicidar. Eu havia visto ele lá dentro antes. Ele parecia um garoto comum. Você compreende isso? Uma pessoa comum. Eu poderia visualizá-lo atravessando a rua ou comendo algo em alguma lanchonete. Você passa a desejar que aquela outra pessoa seja feliz. Que ela só receba coisas boas. Porque é melhor quando você se sente responsável por essa mudança. É como se estivesse lutando contra algo. É como se estivesse dizendo que não importava o quanto de decepções você tenha passado e sim a quantidade que está evitando e fazendo com que os outros não passem. No final do dia você se torna humano. Mesmo com tantas porcentagens e números dizendo ao contrario. Porque no fundo você sabe que fazer o melhor significava ser o melhor. Por aqueles que ama. Por aqueles que odeia. Por aqueles que não fariam o mesmo por você. A razão? Você tem essa mesma sensação todo dia. De nada. De tudo. De vazio. De pela metade. De querer morrer com Alzheimer. De querer cortar os pulsos. De querer ter um ataque do coração. De morrer dormindo. E só você sabe o quão triste e solitária é a jornada de quem sobrevive. E de quem já desistiu de viver. E você deseja desesperadamente que em algum momento o universo compense. E tenta seguir em frente.

Kehl, Luisa.

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